A pedra no caminho de Nuno Ramos

A pedra no caminho de Nuno Ramos
Capa do livro 'Sermões', de Nuno Ramos (Reprodução/ Iluminuras)
  Na obra de Nuno Ramos, há sempre uma tentativa de empurrar a arte para fora do seu limite convencional, até onde isso ainda é possível, fazendo com que ela possa respirar outros ares e ser mais efetivamente crítica diante do mundo da mercadoria. Mas o artista sabe que ao empurrar esses limites, ao abrir novas picadas, ele estará sempre agindo na mesma lógica ditada pela mercadoria, num círculo vicioso. Nessa picada, na qual ele procura dar forma à matéria, a própria matéria informe vai aparecendo. Fica o rastro do esforço do artista que, em momentos mais radicais, acaba criando um caminho de construção e desconstrução. Nessa brenha, a procura metafísica sobre a sua presença no mundo (perguntas como: “qual/ o sentido total/ da vida, minha vidinha? Fui/ feliz, gargalhei? Dei/ o cu, viajei, pedi esmola para a ONG certa?”) só pode ser feita de maneira debochada e a resposta que não há fica esbatida no horizonte: é o que move o artista, tragado pela sua matéria, numa espécie de transe contínuo. Em seu novo livro, Sermões, de onde vieram os versos citados, essa tensão está encenada a cada página, num devaneio alucinatório, do qual o narrador não consegue escapar. A voz central varia da prepotência à fragilidade completa; ao se afirmar, muitas vezes retoricamente, ela se depara com a impossibilidade dessa afirmação. Tanto é que há uma espécie de célula central que atravessa todo o poema, “haja! seja!”, num estranho dialogismo com a voz poética. Não deixa de ser um eco que pede existência, pede contornos, para algo que se

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