A paixão em versos de Pier Paolo Pasolini

A paixão em versos de Pier Paolo Pasolini
Pasolini posa com seu livro "As cinzas de Gramsci"/Foto: Sandro Becchetti / Extraída do livro "Pasolini Roma", editora Skira

 

1 Pasolini publicou seu primeiro livro de poemas, Poesie a Casarsa, em 1942, aos vinte anos de idade e em plena guerra. O livrinho, escrito em um dialeto ágrafo do Friuli (nordeste da Itália), foi imediatamente reconhecido por um dos principais críticos literários e filólogos italianos, Gianfranco Contini, que desde então se tornou sua grande referência intelectual, ao lado do pensador marxista Antonio Gramsci.

2 Se no livro de estreia predominava um lirismo inspirado por Leopardi e Pascoli, em que o dialeto era a fonte primária a uma visão de mundo ancestral, originária, quase edênica, os poemas escritos a partir dos anos 1950, já no “exílio” romano (Pasolini deixou o Friuli após ser expulso do Partido Comunista Italiano, sob acusação de pederastia), começam a configurar uma autobiografia em versos cujo eixo central é o desajuste do poeta a um mundo que progressivamente vai perdendo qualquer possibilidade de sentido.

3 Temos então o choque de uma voz contra o que lhe parece pura alienação, massificação, banalidade, de um corpo contra um tempo degradado e extraviado. Daí a reiterada e ostensiva afirmação de sentir­-se anacrônico, intempestivo, uma “força do passado” que não se reconhece no presente nem encontra seu lugar.

4 Explorando simultaneamente uma enorme variedade de formas artísticas – o cinema, o romance, o teatro, a tradução, a pintura, a crítica cultural etc. –, Pasolini percorre um espectro amplíssimo e tenta abraçar o inapreensível (como Dante ao ver o amigo Casella no Purgatório), de que resulta um crescente desespero. Como se assistisse aos últimos momentos da história humana, PPP tenta em sua fase final reconstituir em alguma medida o mito originário das culturas arcaicas, voltando sua atenção para o Terceiro Mundo, a África, a Índia, o Brasil. Talvez aí, nesses lugares distantes da Europa, ainda sobrevivesse alguma possibilidade de redenção: mas não.

5 Se quiséssemos ser otimistas, poderíamos dizer que o que parecia “anacrônico” e “intempestivo” na Itália daquela época (anos 1950-­60, auge da aceleração industrial e da consolidação – irreversível? – da sociedade de consumo), hoje, no Brasil, pode ser lido como uma voz em sintonia/sincronia com uma cultura periférica (a nossa) que apenas começa a olhar­se a si mesma como mais um ponto numa constelação cultural que vai deixando de ter um centro. Mas não.

6 O projeto de trazer a poesia de Pasolini para perto de nós, feito em parceria com o crítico italiano Alfonso Berardinelli, partiu do princípio de, em meio aos fragmentos de seu discurso (apesar de tudo, Amoroso), contemplar sua totalidade. Fazer, pois, uma antologia que dê conta de toda a trajetória criativa de Pasolini, do início dos anos 1940 até 1975, incluindo seus momentos/movimentos mais contraditórios, sem recorrer a um recorte que o tipifique como predominantemente “poeta político” ou “poeta mítico”, “poeta experimental” ou “poeta realista” ou “poeta homossexual” – ultrapassando, por fim, a distinção de gênero poesia/prosa e chegando aos escritos corsários da fase final.

7 Organizada por mim e por Berardinelli, com um ensaio de Maria Betania Amoroso, a antologia deve sair em 2015, pela Cosac Naify. Na parte que mais me cabe, as dificuldades de tradução consistem sobretudo no aspecto descontínuo, contraditório, complexo e poliédrico de seus textos, que vão das formas líricas mais tradicionais a uma épica informe da cultura dos anos 1960-­70. Contrariando o que disse uma grande poeta e tradutor italiano, Giovanni Raboni, a poesia de Pasolini NÃO “apresenta um grau singular, insolitamente elevado, de traduzibilidade”, baseado na suposição, a meu ver equivocada, de que “sua poesia é menos polissêmica, menos ambígua, mais ‘literal’”. Isso porque a onívora poesia pasoliniana devora muito de tudo: o claro e o obscuro, o coerente e o contraditório, o formal e o informal, o óbvio e o obtuso.

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