Notícias de outras ilhas: Michaela v. Schmaedel

Notícias de outras ilhas: Michaela v. Schmaedel
A jornalista e poeta Michaela von Schmaedel (Foto: Divulgação)

 

Michaela v. Schmaedel, 44, é jornalista de cultura, nasceu e mora em São Paulo. Nos últimos anos, tem se dedicado à poesia. Cursou o Curso Livre de Preparação do Escritor, na Casa das Rosas, e escreve resenhas para jornais e revistas sobre literatura. Seu primeiro livro de poemas, Coração cansado, sairá em breve pela editora Penalux.

Nesses tempos tão duros, acha que o isolamento não é a pior parte: “Pior é saber do sofrimento de milhares de pessoas, seja por estarem sem assistência à saúde, seja por perderem a subsistência. Se a poesia ajuda, de fato, num momento assim? Provavelmente não, mas serve, para mim, como um pequeno alento, um fôlego, que ameniza um pouco o sentimento de solidão, inclusive quando se mostra tão sozinha e desamparada quanto cada um de nós”.

Para a seção “Notícias de outras ilhas”, indica poemas de Wisława Szymborska, André Luiz Pinto e Manuel António Pina. Veja outras sugestão de leitura de poetas, escritores e tradutores em tempos de quarentena aqui.

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Vermeer

Wisława Szymborska

“Enquanto aquela mulher do Rijksmuseum
atenta no silêncio pintado
dia após dia derrama
o leite da jarra na tigela,
o Mundo não merece
o fim do mundo.”

em Um amor feliz, Companhia das Letras, tradução Regina Przybycien

Migalha

André Luiz Pinto

Fiz como você pediu
cortei o poeta
em versos
e os espalhei
em um prédio abandonado
numa caixa d’água vazia
pra ninguém saber.

em Migalha, 7 Letras

Passagem

Manuel António Pina

À Inés

Com que palavras ou que lábios
é possível estar assim tão perto do fogo,
e tão perto de cada dia, das horas tumultuosas e das serenas,
tão sem peso por cima do pensamento?

Pode bem acontecer que exista tudo e isto também,
e não só uma voz de ninguém.
Onde, porém? Em que lugares reais,
tão perto que as palavras são de mais?

Agora que os deuses partiram,
e estamos, se possível, ainda mais sós,
sem forma e vazios, inocentes de nós,
como diremos ainda margens e como diremos rios?

Em O coração pronto para o roubo, Editora 34

 

Considero estes três poemas pequenas obras primas. Primeiro a polonesa Wisława Szymborska, que consegue, em tão poucos versos, sintetizar toda a importância da arte, da beleza. Depois André Luiz Pinto, sempre certeiro, relativizando o papel do poeta e da própria poesia. Por fim, Manuel António Pina, este gigante português, que nos coloca em confronto com a própria linguagem.

 


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