Notícias de outras ilhas: Dalila Teles Veras

Notícias de outras ilhas: Dalila Teles Veras
A escritora e editora Dalila Teles Veras (Foto: Luzia Maninha)

 

Dalila Teles Veras nasceu no Funchal, Portugal, 1946. Vive no Brasil desde a infância. Escritora, editora e ativista cultural, é autora de diversos livros de poesia; deles destacam-se: tempo em fúria (2019); Setenta anos, poemas, leitores (2016) – poemas escolhidos por 70 leitores por ocasião dos seus 70 anos  -, solidões da memória (2015) e retratos falhados (2008). Dentre outros, publicou livros de crônicas, diários e ensaios. Dirige, desde 1992, a Alpharrabio Livraria, Editora e Espaço Cultural em Santo André, SP.

Para a seção “Notícias de outras ilhas” – em que poetas, escritores e tradutores sugerem leituras para o período da quarentena – indica poemas de Ana Hatherly, Orides Fontela e Alfonsina Storni. A curadoria da seção é de Tarso de Melo. Leia abaixo os poemas e os comentários da escritora.

 

Quando recebi o convite de Tarso de Melo para participar de “Notícias de outras ilhas”, mais uma de suas sempre inteligentes e oportunas curadorias literárias, o que ficou a bailar em minha mente foi a palavra “ilhas”. Que ilhas, afinal, seriam essas? Nasci numa ilha e a condição da insularidade sempre foi uma questão a ser resolvida, não só no meu viver/sentir estrangeiro/insular, como também nas questões da poesia. O ilhéu tem o horizonte líquido como algo a apertar-lhe a garganta e a gana permanente de passar além daquela linha verde/azul do mar que delimita e confunde o azul/verde do firmamento.
Para o ilhéu que atravessou essa linha e viveu em ilhas/mundos diversos, valores outros se alevantam e o inevitável confronto com sua bagagem atávica que demanda assimilação. Sendo essa a minha história pessoal, penso que possa ser a de muitos outros, inclusive, dos que aceitaram este convite que, ao menos para mim, foi muito honroso.
Afinal, estamos a falar de ilhas não necessariamente vulcânicas ou oceânicas, mas de incontáveis outras ilhas, constituídas/construídas por arquitetos de um código singular que alguém já chamou de “a língua da poesia”. Essas pequenas ilhas são encontráveis na prateleira dos fundos ou na do rés do chão da maioria das livrarias, sempre em número escasso e desatualizado.
Escolhi poemas de três mulheres de nacionalidades diferentes, não apenas por serem, hoje, nomes incontornáveis em seus respectivos países, mas porque suas obras/continente, respondem até mesmo àquilo que não pergunto, provocam epifanias estéticas e, por vezes, socos no estômago a cada releitura.
A escolha de mulheres também não foi por acaso e nem pelo já exposto. Trata-se de uma contribuição no sentido de levantar os véus com que a literatura de mulheres, por muitos séculos cobriram suas obras, apenas por simples questão de gênero. Para ficar apenas num único exemplo, Alfonsina, em 1918, “mãe solteira” e ativista pelos direitos de mulheres e crianças, foi dispensada de seu emprego, logo após o “escândalo” provocado por seu primeiro livro, La inquietud del rosal.
Não por acaso, ao reler as obras dos poemas escolhidos, publicados há décadas, sinto o mesmo frescor da primeira leitura, como se acabados de publicar.

***

Tisanas

Ana Hatherly

128
A verdadeira criminalidade tem origem na ideia de isolamento fruto da nossa concepção do espaço: como gritamos muito e todos ao mesmo tempo já não nos podemos ouvir uns aos outros e então puxamos das navalhas e como também já não nos vemos porque estamos nessa condição de ilhas cujo horizonte respectivo de tão próximo já não se descortina aí lançam-se barcos ao mar e como todos o fazem os naufrágios por sobreposse e pavimentação das águas são enormes

129
Todos sabemos por exemplo que quando se abrem as portas da prisão o prisioneiro treme de medo. Se as portas se abrem porque as paredes ruíram o prisioneiro poderá mesmo tentar refugiar-se entre os escombros da prisão. Tudo isso porque antes de conhecer é preciso descobrir. Eis como a vertigem de não sabermos persiste.

***

Claustro

Orides Fontela

Célula
onde nenhuma palma
contempla
na fria aridez o rosto
pacificado

solidão sem imagens
para sempre.

O anti-César

Não vim.
Não vi.
Não havia guerra alguma.

***

Cuadros y ángulos

Alfonsina Storni

Casas enfiladas, casas enfiladas,
Casas enfiladas.
Cuadrados, cuadrados, cuadrados.
Casas enfiladas.
Las gentes ya tienen el alma cuadrada,
Ideas em fila
Y ángulo em la espalda.
You misma he vertido ayer uma lágrima,
Dios mío, cuadrada.

Quadros e ângulos

Casas enfileiradas, casas enfileiradas,
Casas enfileiradas.
Quadrados, quadrados, quadrados.
Casas enfileiradas.
As pessoas já têm a alma quadrada,
Ideias em fila
E ângulo nas costas;
Eu mesma, ontem, verti uma lágrima,
Meu Deus, quadrada.

Tradução de Ayelén Medail


> Assine a Cult. A revista de cultura mais longeva do Brasil precisa de você.

Deixe o seu comentário

TV Cult