Notícias de outras ilhas: Leonardo Gandolfi

Notícias de outras ilhas: Leonardo Gandolfi
O poeta e professor Leonardo Gandolfi (Foto: Divulgação)

 

Leonardo Gandolfi, 39, é professor e poeta, autor de A morte de Tony Bennett (Lumme, 2010) e Escala Richter (7letras, 2015). Organizou a antologia O coração pronto para o roubo (editora 34, 2018), com poemas de Manuel António Pina. Para a seção “Notícias de outras ilhas” – em que poetas, escritores e tradutores sugerem leituras para o período da quarentena -, indica dois poemas de Leonor Scliar-Cabral. A curadoria é de Tarso de Melo. Leia os poemas e o comentário do poeta abaixo.

Folheando o recém-lançado catálogo da Massao Ohno publicado pela Ateliê Editorial, descubro o livro Romances e Canções Sefarditas (séc. XV-XX), de Leonor Scliar-Cabral. Fiquei bem curioso com a coletânea e encomendei logo o livro. Daí fui atrás de outro título de Leonor que ia pelo mesmo tema: Memórias de Sefarad.

Nestes dias de quarentena, tenho lido os dois.

O primeiro é composto de testemunhos de expressão oral produzidos pelos judeus da Península Ibérica durante e após sua expulsão pelos reis da região, a partir do século 15. Os poemas são cantados em ladino (judeu-espanhol) e a autora brasileira faz versões em português a partir do material transcrito.

O segundo livro dá um passo além. Depois de recolher pessoalmente as cantigas de velhas senhoras sefarditas de Porto Alegre (terra natal da escritora) e também de Sevilha, Toledo e outras cidades (Sefarad é o nome em hebraico da Península Ibérica), a poeta faz uma espécie de cancioneiro pessoal. Ao mesmo tempo que fixa o material oral, retrabalha-o, escrevendo poemas próprios.

Tais textos dão a ver a violência das diásporas judaicas e fazem isso a partir de um registro poético no qual antigo e novo não se diferenciam. Lendo esses versos, tive a sensação de estar diante da infância da língua, tempo em que cada coisa tem exatamente o nome que é o seu. Aí vai uma pequenina amostra:

***

Dorme, dorme, meu anjinho, filhozinho de tua nação,
menininho de Sião. Não conheces o que é a dor.
Por qual nome, ah! me interroguas, por que cala o cantor?
Ah! Cortaram minhas asas, minha voz silenciou.
Ah! Grande mundo da dor!

Anônimo
Romances e Canções Sefarditas (sec. XV-XX), trad. Leonor Scliar-Cabral, Massao Ohno Editor, 1990.

Nunca mais

É noite em Sefarad, busca o verdurgo a menorá.
Dorme, dorme, meu filhinho, a mamãe te esconderá.

É noite nas Gerais, procura o verdugo a torá.
Dorme, dorme, meu filhinho, a mamãe te esconderá.

É noite na Cracóvia, buscam pela mezuzá.
Dorme, dorme, meu filhinho, a mamãe te esconderá.

É noite dos cristais, quem festeja Rosh Hashaná?
Dorme, dorme, meu filhinho, a mamãe te esconderá.

Peixe dourado

Vagas pelo aquário o teu silencio aprisionado,
príncipe carmesim, por uma bruxa encantado.
Virá uma princesa e o milagre de seu sal
transbordará as águas, transformando-as em mar.
Mãos dadas, mergulhando, na maré carregados,
submergirão para sempre, escafandros de metal.

Leonor Scliar-Cabral, Memórias de Sefarad, livros do athanor, 1994.


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