Entrevista – Júlio Medaglia

Entrevista – Júlio Medaglia

Com o verbo solto, Medaglia critica a transição na Osesp, relativiza o legado do Tropicalismo e avalia a proposta de renovação da lei de incentivo à cultura

Eduardo Socha e Wilker Sousa

O primeiro contato do paulistano Júlio Medaglia com a música se deu ainda criança quando a empregada de sua família lhe presenteou com um violino infantil. Anos mais tarde, ao participar da orquestra de amadores da Lapa, em São Paulo, conheceu o oboísta Isaac Karabitchevsky, que o convida para estudar na Escola Livre de Música, onde lecionava o compositor e musicólogo alemão Hans Joachin Koellreutter. Ao mudar-se para Salvador, para criar os seminários de música da Universidade Federal da Bahia, Koellreutter levou consigo o jovem Medaglia. Lá, surgiu o convite de Artur Hartmann, então diretor da Escola Superior de Música da Universidade de Freiburg, para estudar regência na Alemanha. Em solo europeu, Medaglia estudou com figuras centrais da música contemporânea, como Karlheinz Stockhausen e Pierre Boulez, e teve aulas de regência com o mítico maestro John Barbirolli.

Sua trajetória, a partir de então, foi marcada por participações em momentos decisivos da música erudita e popular no Brasil. Ao final dos anos 1960, tornou-se júri dos célebres festivais da TV Record e, em 1967, escreveu o arranjo de “Tropicália”, canção de Caetano Veloso considerada o marco inicial do Tropicalismo. Nas décadas de 1970 e 80, compôs trilhas sonoras para a TV Globo, como a da série Grande sertão: Veredas, e dirigiu por quatro anos o Teatro Municipal de São Paulo. Durante os anos 1990, participou de grandes espetáculos cênico-musicais no Brasil, entre eles, a ópera “Aida”, de Verdi, encenada em 1995, em estádios de futebol. Criou, dois anos depois, a Amazonas Filarmônica, em Manaus.

A experiência e o conhecimento adquiridos ao longo da carreira motivaram-no a escrever os livros Música impopular (Global editora, 2003) e Música, maestro! (Globo, 2008). Com linguagem fluente e nítida intenção pedagógica, seus livros desejam ampliar o acesso à história da música, de forma a derrubar as barreiras que separam a música erudita do grande público. Atualmente, Júlio Medaglia realiza trabalhos na ópera nacional da Bulgária e apresenta o programa Prelúdio, na TV Cultura – único da TV aberta dedicado aos novos talentos da música erudita nacional. Nesta entrevista, concedida em sua casa para a CULT, o maestro fala do turbulento processo de transição na Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), sobre alguns momentos de sua carreira e avalia as atuais políticas na área musical.

CULT – O senhor poderia fazer uma breve análise dos anos John Neschling à frente da Osesp?

Júlio Medaglia – Ninguém sabia quem era John Neschling. Ficou aqui por um tempo como regente da Orquestra Jovem do estado, depois foi embora; ninguém percebeu. De repente, colocam R$ 67 milhões e um salário de R$ 200 mil na mão dele (quase o dobro do que ganha o Simon Rattle, regente da Filarmônica de Berlim), e ele se achou o rei da cocada preta. Depois começou a espernear, agredir todo mundo, expulsar músicos da orquestra, dizer palavras de baixo calão aos músicos, a seus colegas de profissão, como se todos nós fôssemos imbecis. Só que ele teve azar de dar uma canelada em alguém que um dia virou governador do estado. Aí pronto. É o estado que paga. É uma orquestra independente artisticamente, mas quem paga pode chegar e dizer “ou mudam aí, ou não tem mais dinheiro”. Aí, ele dançou.

Ele fez um trabalho administrativo muito bom. Como tinha muito recurso, preparava muito bem todas as temporadas. Antes de acabar o ano, as pessoas já recebiam a programação do ano seguinte. Também contratou excelentes músicos internacionais, etc. A orquestra evidentemente adquiriu um profissionalismo.

Mas também é verdade que nunca trouxe o pessoal do primeiro time. Nunca vi um Zubin Mehta, um Maurizio Pollini, uma Martha Argerich, nem um Claudio Abbado tocarem com essa orquestra, embora tivesse orçamento para isso. E os bons maestros brasileiros, de nível internacional, ele também nunca convidou.

CULT – O que achou do processo de transição na direção artística da orquestra?

JM – Essa substituição é um problema. Começaram a inventar coisas como “ah, vamos buscar consultor lá na Austrália, em Londres”. Ninguém sabia quem era o Neschling até a década de 90! Ele chegou aqui, fez um grande trabalho, colocou a orquestra para funcionar, sem consultar ninguém. Para fazer uma programação, para fazer algo profissional, não precisa perguntar para nenhum australiano.

Para que buscar um maestro desempregado lá na Europa do quinto escalão? O [Yan] Tortelier é um bom músico, não vou dizer que seja incompetente. Mas qual o motivo para se buscar alguém que não tem nenhuma expressão na música europeia? Se trouxessem o Mehta, o Abbado, o Mutti, algum monstro sagrado da regência universal aqui para São Paulo, o estado vira notícia no mundo inteiro. O [Yan] Tortelier é um cara que regeu uma orquestra lá no interior da Inglaterra e que estava sem nada para fazer na Europa.

CULT – A escolha foi uma provocação?

JM – Não sei se foi provocação. Tenho suspeitas de que existam pessoas fazendo a cabeça do Fernando Henrique Cardoso, que é uma pessoa séria. Mas alguém está dizendo bobagens no ouvido dele e ele está acreditando. O Fernando Henrique foi um bom presidente, ainda que sua gestão na área cultural tenha sido a mais inexpressiva. Quando indicou a secretária de cultura aqui para São Paulo, a Claudia Costin, foi a pior que o estado já teve. Colocaram o Fernando Henrique no conselho da Osesp para que tenham uma figura forte e para que assim não acabem com a orquestra.

CULT – O modelo de gestão da Osesp deveria ser aplicado em outras orquestras do país?

JM – A tendência é essa, de ser uma Oscip [organização da sociedade civil de interesse público] como a Osesp. Isso é o que a gente quer no Brasil há muito tempo. Infelizmente, as sinfônicas no Brasil, quando dependeram de soluções públicas, sempre foram ruins. Agora começam a ficar boas, porque é possível administrá-las como empresas, ou seja, cobrar qualidade, colocar melhores músicos, não ceder a pressões políticas. Parece que o pessoal acordou. A Amazonas Filarmônica é uma associação civil sem fins lucrativos, assim como a Petrobrás Sinfônica, a Orquestra de Minas Gerais e a Orquestra Sinfônica Brasileira.

CULT – Já que o senhor falou da Orquestra Sinfônica Brasileira, maior beneficiada da Lei Rouanet, a reavaliação do governo sobre esse mecanismo de incentivo é pertinente?

JM – O que está certo na Lei Rouanet é que as empresas precisam aprender a pôr a mão no bolso para gastar com cultura. O pessoal fica com um pouco de raiva pelo seguinte: por que a Volkswagen, que ganha muito dinheiro no país, não gasta dinheiro com a restauração lá da igreja do interior do Piauí? Existe a vontade de alterar esse mecanismo para distribuir melhor o dinheiro destinado à cultura. Mas acho isso errado, porque não faltam grandes empresas nesses estados também. Estive em Sergipe conversando com o atual governador, e há empresas fortes que, com Lei Rouanet, poderiam fazer uma festa de cultura por lá. Não fazem porque não querem. E não é mudando a Lei Rouanet que isso vai mudar. Os empresários precisam se dar conta de que precisam estabelecer um relacionamento com a comunidade local, como nos Estados Unidos. A gente aprende com eles só o que existe de ruim: rap, rodeio, country. Mas não aprendemos como conseguem manter 2.500 orquestras sinfônicas. O espírito comunitário norte-americano a gente não aprende. Uma fábrica de parafusos lá do Texas, quando se instala na região, a primeira coisa que faz é se relacionar com a comunidade, dar apoio à biblioteca, a uma orquestra de câmara que precisa de ajuda. E lá não tem Lei Rouanet. O dono da empresa tira do bolso dele.

CULT – E quanto às distorções da lei, ao fato de que a renúncia fiscal estaria sendo utilizada para projetos culturais questionáveis ou de pouco interesse público?

JM – Mas isso é culpa do Ministério da Cultura! Um projeto, para ser aprovado, passa pelos pareceristas. Se aprovaram o Cirque de Soleil, então quem está errado é o Ministério, não a lei. Acho que precisa de uma peneira. Músicos como Chitãozinho e Xororó não precisam de incentivo. Ivente Sangalo tem avião! Tem sentido ela ganhar incentivo fiscal?

Gosto do [ministro da Cultura] Juca Ferreira, é uma pessoa séria; bem-intencionada. Tenho impressão de que vai fazer uma boa gestão no sentido de regular os abusos da lei. Todos morrem de inveja da Lei Rouanet, porque as regiões mais ricas são mais beneficiadas com ela. Acontece que tem mais movimentação cultural aqui. Por que os empresários de Sergipe não fazem uma orquestra de qualidade internacional? Não querem. A Lei Rouanet deveria servir para incentivar o espírito comunitário. Mesmo assim, não colocam dinheiro, porque acham que precisam patrocinar alguma coisa que vai fazer sucesso, quando deveriam patrocinar aquilo que valoriza a marca.

CULT – O senhor criticou duramente os concertos da Osesp no exterior. Por quê?

JM – Porque isso é ridículo! Se o empresário alemão convidasse a orquestra para tocar lá, seria uma maravilha. Mas não. Usam meu imposto para mostrar lá na Alemanha que São Paulo tem uma orquestra! Tocam Brahms no interior da Alemanha! É tão ridículo quanto mandar uma escola de samba alemã tocar aqui no Brasil. Se ao menos dissessem “a orquestra vai para divulgar música brasileira”, tocar Villa-Lobos, etc, aí talvez fizesse sentido. Mas ir para Viena tocar La Mer, tem sentido isso? O contribuinte aqui de Bauru, que paga essa orquestra, não vê a orquestra tocar em sua cidade e lê no jornal que está tocando no interior da Suíça.

Por isso não tem sentido esse francês aqui. Um regente titular brasileiro, ao assumir essa orquestra, assumiria também um compromisso com a cultura de São Paulo. Como custa muito dinheiro, essa orquestra precisa render muito. Além do concerto que os mesmos assistem, poderiam fazer o quê? Viajar pelo interior, fazer os músicos da orquestra dar aulas para os músicos da região, trazer esses músicos do interior para aprender aqui, para que outras Osesp’s venham a se formar no interior. Insisti muito nisso, e parece que o Neschling ia fazer isso também. Ela tem que valer R$ 67 milhões. Se você analisar quanto custa um assinante para o estado, vai perceber que é uma nota!

CULT – A Osesp não ajudou então a democratizar o acesso à música de concerto no estado?

JM – Não. Democratiza-se o acesso promovendo concertos aqui. Tocando em outros lugares, fazendo política cultural, tocando nas praças, nas igrejas. A Sala São Paulo causa inibição. Tem que fazer política agressiva de animação cultural. Na Lapa, lembro que eu assistia matinê aos domingos. Uma tarde, de repente, entrou a orquestra municipal com coral de cem vozes. Fiquei deslumbrado, comecei a me interessar por música, foi uma emoção incrível. Você assiste, é diferente. Uma política cultural bem elaborada poderia fazer valer o que essa orquestra custa.

CULT – Como o senhor vê iniciativas como a Orquestra Sinfônica de Heliópolis?

JM – É fantástico, porque a música trabalha com os dois extremos, com a razão e com a emoção. Se ela enfeitiça a pessoa, de outro lado ela disciplina. É um trabalho de sofisticação estrutural muito grande. Nenhuma outra arte tem tanto rigor. Esse trabalho de Heliópolis é muito importante, e espero que tenham outros Brasil afora. Mas precisa trazer mais professores de fora. Na Europa oriental, está sobrando músicos. Se você vai ao interior de São Paulo, um estado riquíssimo, percebe que culturalmente é paupérrimo.

O Brasil, nesse sentido, precisa trazer gente para “alfabetizar” musicalmente nossa população. Felizmente, voltou o ensino de música nas escolas e estou aqui apavorado; morro de medo que caia na mão dos educadores, que vão querer criar um currículo. A situação hoje está tão grave no Brasil [e no mundo] que a gente devia fazer um currículo de dez páginas, no máximo, bem compacto, e pôr na mão de uma pessoa com bons conhecimentos musicais, para que no dia seguinte ela possa entrar na sala de aula e ser professor. Mostrar vídeos, DVD’s, pegar o guia prático do Villa-Lobos para fazer as crianças cantarem, construirem seus próprios instrumentos, etc. Algo bem simples, mas muito informativo.

CULT – O canto orfeônico deveria voltar?

JM – Claro. Villa-Lobos tem no guia prático dele canções de todo o Brasil. Ele harmonizou a duas e três vozes, de acordo com a região. Já está feito, é só aplicar. E fazer as crianças cantarem, tocarem, ouvirem muita música clássica e música popular brasileira. A música popular brasileira morreu. Onde estão os novos Edus Lobos, os Chicos Buarques? Esse pessoal não está mais em lugar nenhum, porque os veículos de comunicação romperam com a música inteligente. O Brasil está mergulhado na mediocridade musical. As rádios e as TVs só põem porcaria no ar. Então, nesse curso, você tem que mostrar Jair do Cavaquinho, Cartola, Assis Valente, Pixinguinha, gênios astronômicos. Nenhum país no mundo tem gente tão maravilhosa quanto essa.

CULT – Quais seriam as causas dessa falência da MPB?

JM – Não é que esteja totalmente falida. É que se perdeu a relação produção-consumo. Antigamente as músicas eram veiculadas em várias rádios, os produtores se sentiam motivados. Existia uma relação produção-consumo muito grande. Hoje, a indústria cultural só está preocupada com esse “consuma e descarte”. Você tem que consumir muito, gostar pouco e jogar fora logo. Então não é interessante produzir uma coisa de qualidade. Pixinguinha é inimigo da indústria cultural. Ele fez o “Carinhoso” há 80 anos e até hoje as pessoas estão tocando e gostando. Beethoven, então, pior ainda. Há 200 anos, ele compôs uma sinfonia com três notas e o pessoal ouve.

Hoje, se você for na Universidade Livre de Música, existem três mil músicos ali estudando violão, guitarra, harmonia e contraponto com os melhores professores de São Paulo, ou seja, estudando para fazer música popular. Produz-se muita música popular, só que não se tem veículo. A TV Globo, que é a maior do país, há mais de 20 anos não tem nada de música no horário nobre. É como se música não existisse no Brasil.

CULT – O senhor não vê nenhuma tendência interessante na música contemporânea hoje?

JM – Não. O fim do século 20 foi melancólico. Os compositores não souberam lidar com os meios de comunicação modernos; têm ojeriza a isso aí. Eles acham que tem de continuar fazendo música em festivais e não souberam se aproximar dos meios de massa. Eu me aproximei, tentei me aproximar. Fiz na TV Globo, por exemplo, a trilha sonora do Grande sertão: Veredas. Toda a trilha sonora é abstrata, tem só uma melodiazinha no início para dar um pequeno leitmotiv, mas toda a trilha sonora é feita de ruídos eletrônicos, de instrumentos que a gente criou. Nunca ninguém achou que aquela música estava moderna demais. Na realidade, as pessoas têm uma disposição para uma informação nova. Mas, os caras preferem ficar em festivais. Na Europa, por exemplo, são funcionários de rádio e televisão; estão acomodados.

Ouvi outro dia umas coisas do Boulez que eu achei um horror. Certas músicas tinham sentido num momento em que a ideia era explodir sistemas. Para fazer explodir sistemas, você faz uma antimúsica. Eu acho que Grande sertão: Veredas é uma antimúsica. Só que é uma antimúsica que funciona naquele contexto. Stravinsky é antimúsica. Sagração da primavera é a maior bomba atômica do século 20 musical. Eu ainda hoje, cada vez que ouço aquilo, me arrepio.

CULT – Qual o legado do Tropicalismo?

JM – O Tropicalismo foi comportamento, revoluções, ideias diferentes. Mexeu na política, mexeu no comportamento. Você ouve a música hoje, é boa música. Ela resistiu. Não era só gracinha. Muita gente acha que comportamento era imitar a Carmem Miranda, mas não era. Houve vários acontecimentos ligados ao comportamento geral do Tropicalismo; ele mexeu em todas as áreas. Era um movimento cultural, assim como o rock era. Só que vejo o Woodstock hoje e não consigo assistir até o final, de tão ruim que era aquela porcariada toda. Com exceção do Jimmy Hendrix, da Janis Joplin, do suingue do Santana, o resto você começa a detestar aquilo tudo. Não tem conteúdo musical nenhum. Eu ouço Os Mutantes hoje e me arrepio. E não é porque eu vivi aquela época. Eu vivi o Woodstock também. Eu me emocionava com os dois na época, só que eu ouço hoje Os Mutantes e acho uma maravilha; assisto ao Woodstock e acho a maioria deles uns chatos.

O legado foi terrível porque abriu tanto o leque de possibilidades de se fazer música, que ficou difícil depois daquilo você chegar e organizar uma ideia. E foi o que aconteceu. Os anos 1970 foram um desastre. Nos anos 1980, houve um renascimento com o Arrigo Barnabé, Itamar Assunção, a turma paulista – Rumo, Premeditando o Breque, Língua de Trapo – e o pessoal da virada paulista da praça Benedito Calixto, que fizeram aquele movimento importante. Mas na década seguinte, caiu de novo no bolerão que foi a década das músicas caipiras. A música brasileira vai de dez em dez anos. Dez anos criativos e dez anos de bolero.

CULT – Gostaria que o senhor falasse um pouco também sobre uma certa resistência à música de concerto no Brasil, inclusive em nosso meio intelectual. O compositor Gilberto Mendes declarou certa vez o seguinte: “Se você perguntar a um intelectual brasileiro, ou a um artista, quais são compositores preferidos, ele certamente responderá: Caetano Veloso e Chico Buarque. Nem mesmo Villa-Lobos ou Stravinsky vão passar pela cabeça dele. A música erudita de nosso tempo simplesmente não existe para a classe culta brasileira. Ninguém vai lembrar de um Almeida Prado, Jorge Antunes. Nunca ouviram esses nomes. Ou, se ouviram, não se interessaram; para eles é uma coisa que não conta para a cultura brasileira”.

JM – Não conta, mas não é culpa do público, é culpa dos maestros brasileiros. Porque preferem reger uma sinfonia de Tchaikovsky, de Rachmaninoff e essa programação que vocês viram recentemente na Osesp. Quando eu regia a Orquestra Nacional de Brasília, criei uma série que se chamava Brasília compõe. Eu levava a orquestra a um teatro menor, o Artur Azevedo. Os compositores regiam suas próprias obras e depois ficavam lá e o pessoal debatia. Criava-se uma polêmica em torno da criação musical e uma espécie de investigação do que as pessoas estão fazendo e o que está acontecendo na música da atualidade.

Quando fui diretor do Teatro Municipal de São Paulo, colocava a Sinfônica Municipal à disposição para o Festival Música nova do Gilberto Mendes. Tocavam-se músicas diferentes, encomendavam-se obras. Claro que os músicos também preferem tocar Tchaikovsky porque aquilo tudo já está “no dedo”. Para tocar música contemporânea, precisam trabalhar muito e como eles ganham pouco…

Isso é culpa dos maestros, mas dos intérpretes também. O Nelson Freire vem aqui, toca Chopin, Debussy, Brahms e vai embora para casa. Além disso, hoje falta espaço. Antigamente, no Brasil, havia a prática de em todos os concertos tocar uma obra brasileira. Com o tempo, foram abandonando. O Teatro Municipal fez há dois anos a ópera Olga do Jorge Antunes. Uma maravilha em todos os sentidos: como execução, encenação, direção, cenário, criação musical. O Jorge Antunes é um grande compositor.

CULT – Para finalizar, o que o senhor diria para aqueles que desconfiam da pertinência do ensino musical no ensino médio?

JM – Eu diria para essas pessoas que se elas fizerem um balanço ao longo do dia, de quanto tempo tiveram contato com a matemática e com a música, perceberão que houve 95% de contato com a música e 5% com a matemática. Quando alguém liga o rádio para ouvir notícias, tem fundo musical ali; entra no elevador, tem música; vai ao restaurante, tem um cara tocando violão. Ouve-se música o tempo todo. Dentro dessa avalanche de música, é preciso que as pessoas estejam prevenidas para receber esse bombardeio. A música é um alimento necessário à vida das pessoas. Não há civilização na história da humanidade que não tenha tido música. E a música tem um poder feiticeiro que faz com que as pessoas não vivam sem ela. Você tem que estar prevenido. Villa-Lobos dizia isso. As pessoas são tão bombardeadas de ideias musicais, que se o sujeito não estiver bem informado para receber esse bombardeio, pode ficar refém de uma indústria cultural que provavelmente não vai oferecer sempre o que se tem de melhor.

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