Contemporâneos

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Wilker Sousa

Luiz Ruffato: Realismo recebe nova roupagem

Debruçar-se sobre a produção ficcional brasileira contemporânea não é tarefa das mais fáceis. Editoras se proliferam e com elas uma enxurrada de novos autores inunda o mercado. Há ainda escritores que, à margem do universo editorial, veiculam seus textos na web para somente depois serem publicados em livro. Contudo, reduzir o período sob o signo único da heterogeneidade seria por demais reducionista. O livro Ficção Brasileira contemporânea, escrito pelo crítico literário e professor da PUC-Rio Karl Erik Schøllhammer, busca desvendar os pontos de convergência e as possíveis tendências praticadas por ficcionistas brasileiros contemporâneos.

Embora reconheça a heterogeneidade e deste amplo universo literário, o estudo analisa como a geração dialoga com os cânones de nossa literatura. Ao privilegiar “obras mais recentes e que ainda não acumularam fortuna crítica”, Karl Erik aponta, por exemplo, como o realismo recebeu novas roupagens nas obras de autores como Luiz Ruffato, Marcelino Freire e Marçal Aquino. Por outro lado, analisa como a vertente intimista – iniciada nos anos 1930 e posteriormente adotada por Clarice Lispector – ainda se faz presente em autores como João Gilberto Noll.

Na entrevista concedida à CULT, Karl Erik fala do quadro atual de nossa literatura e de como a crítica tem acolhido a produção contemporânea.

CULT – Se até meados do século 20, tínhamos quadros ligeiramente coesos em nossa literatura, hoje uma de suas principais marcas é a profunda heterogeneidade. Quais as dificuldades de se estudar algo tão difuso?

Karl Erik Schollhammer – Questiono a profundidade dessa aparente heterogeneidade. Em realidade há uma certa canonização, a partir da década de 1960, em torno de uma narrativa urbana com fortes inclinações realistas. Podemos também verificar a persistência das encenações da subjetividade nas escritas de si e de propostas metaficcionais questionando as fronteiras dos gêneros.

Me parece que hoje é preciso dar crédito tanto à criatividade inventiva e heterogênea quanto reconhecer que certos projetos literários das décadas anteriores continuam gerando respostas instigantes. Vejo também uma diluição das fronteiras do literário permitindo formas híbridas – mescla de documentarismo, diário, auto-ajuda, etc – e talvez possamos ver no abandono parcial das grandes narrativas (da Nação e da formação das identidades) a irrupção de uma pluralidade de histórias, mas o reconhecimento dessa diversidade não deve ocultar o processo ativo de estabelecimento de cânones que continua a ocorrer.

CULT – Parte dessa pluralidade se deve ao crescimento da literatura feita em blogs e à possibilidade (hoje mais barata) de se financiar o próprio livro. Embora tais meios democratizem o acesso à produção, você acredita que o “filtro” de grandes editores permanece indispensável?

Karl Erik – Houve uma profunda transformação na realidade literária; a divulgação editorial não corresponde mais à seleção do mercado strictu senso. Muitos autores conseguem aparecer na internet ou mesmo em pequenas edições impressas valendo-se das novas tecnologias, sem sofrer o crivo da seleção comercial. Isso gera uma pressão saudável sobre as editoras que agora precisam responder publicamente por suas apostas.
A recente intensificação do culto do livro e espetacularização da figura do autor em feiras e eventos literários também contribuem para a democratização do acesso à leitura. Acredito que as editoras só se beneficiam com essa abertura, e que a maior parte dos escritores que surgem em blogs e formatos digitais continuam desejando ter seus escritos publicados em formato livro, assim como os leitores continuam querendo essa materialidade, provavelmente ainda por um bom tempo.

CULT – A academia é avessa ao estudo dos contemporâneos? Os críticos literários têm contribuído para a avaliação consistente da produção atual?

Karl Erik – Não acredito que exista uma aversão, mas há sim um certo embaraço diante de um objeto que está ainda em formação. De todo modo, são acadêmicos como
Silviano Santiago, Flora Sussekind, Italo Moriconi, Beatriz Rezende, entre muitos outros, que continuam a acompanhar atentamente a produção contemporânea e determinar os rumos da crítica. Não consigo ver uma crítica literária independente da academia.

CULT – Se de um lado a literatura contemporânea tende a implodir gêneros e a elaborar novas formas de relato, de outro há a demanda da maioria do público
leitor por gêneros mais “digeríveis”. Como ser fiel ao princípio estético sem ceder a pressões do mercado?

Karl Erik – Não acredito numa tendência unívoca na preferência dos leitores. Também querem romances grossos, histórias complexas e bem elaboradas, explorações confessionais de sentimentos, relatos intimistas e assim por diante. A aceitação do livro pelo mercado é uma alquimia complexa que depende de muitos fatores, muitos deles não literários.

CULT – Quais escritores da geração “00” você acredita que vieram para ficar? Por quê?

Karl Erik – Essa é a pergunta que os editores gostariam ver respondida, mas não é essa a inquietação que move a abordagem crítica. Acho que a geração 00 exibe uma forte vontade ficcional, a vontade de narrar uma história. Seja voltando-se para os pequenos eventos do cotidiano ou para a grande História, ou ainda em criações livres de referências históricas ou sociológicas, que pela fabulação criam sua própria realidade.

A expressão dessa vontade ficcional se dá tanto em formatos literários tradicionais (o romance de formação, o realismo naturalista e regionalista, o romance histórico) como em gêneros não necessariamente literários (a crônica, o blog, o diário, a carta, relatos de viagem, a notícia sensacionalista) ou em escritas inspiradas em outras linguagens  (fotografia, cinema, artes plásticas, performance, arquivo, etc). A ficção também surge na exploração criativa da própria escrita. Confio e, de certo modo, espero que seja essa vontade de criação ficcional que venha a determinar os autores mais desafiadores do século 21.

Ficção brasileira contemporânea
Karl Erik Schøllhammer
Civilização Brasileira
176 págs. – R$ 29,90

(1) Comentário

  1. Quais foram os critérios para a seleção dos “escritores contemporâneas” brasileiros? Os nomes citados na entrevistas são – há muito – consagrados. Será que não existem novos escritores no Norte e no Nordeste do Brasil? Ou o conceito de contemporâneo é extensivo à divulgação na mídia?

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