O futuro da América Latina

O futuro da América Latina

Para Bernardo Ricupero, cientista político, a destituição do presidente do Paraguai indica dificuldade de convivência entre classes dominantes e governos de esquerda.

Famoso por ter sido o primeiro presidente de esquerda do Paraguai, o ex–bispo Fernando Lugo, eleito em 2008, foi destituído de seu cargo no dia 22 de junho, após decreto de impeachment aprovado pelo Senado do país em pouco mais de 24 horas.

Envolto em polêmicas, o evento tem sido interpretado como um “golpe de Estado  parlamentar” e acabou resultando na expulsão do país do Mercosul e do não-reconhecimento do novo líder, Federico Franco, pelos países-membros do bloco.

Professor de História do Pensamento Político na Universidade de São Paulo, Ricupero comenta o assunto em entrevista à CULT.

Quais são os aspectos que caracterizam um golpe de Estado?

De maneira resumida, pode-se vincular golpes de Estado a quebras da ordem institucional que se dão mediante a conspiração de grupos minoritários em uma dada sociedade. No caso do afastamento de Fernando Lugo da presidência do Paraguai, ele foi o resultado da articulação de deputados e senadores colorados e liberais temerosos principalmente com a possibilidade que a extremamente injusta estrutura fundiária do país fosse modificada. Corresponde, portanto, a um golpe palaciano.

Qual é o significado da destituição de Fernando Lugo, ex-presidente do Paraguai, para a manutenção das instituições democráticas? Ela expõe algum tipo de falha neste sistema?

Houve indubitavelmente um desrespeito à vontade do povo paraguaio, que elegeu Lugo presidente. O impeachment se deu em bases frágeis, sob o argumento da incapacidade governamental do presidente. Mais do que falha da democracia, o afastamento de Lugo da presidência indica como as classes dominantes latino-americanas ainda têm dificuldade de conviver com esse sistema de governo.

É comum que a Constituição de uma nação possa oferecer brechas e mecanismos que permitam atos ilegais? Por que isso acontece?

No caso em questão, pode-se argumentar, por um lado, que o impeachment do presidente é uma possibilidade prevista na Constituição paraguaia. Por outro lado, é inegável que as condições de defesa oferecidas a Lugo foram extremamente precárias, a começar pelo exíguo prazo para que ela fosse apresentada, o processo de impeachment se concluindo em menos de 36 horas. Nesse sentido, mesmo que a destituição do presidente paraguaio fosse legal, ela não é certamente legítima. Essa destituição e a própria Constituição do país abrem brechas perigosas para a democracia na América Latina.

Há outros exemplos de interferências constitucionais em governos latino-americanos? O caso do Paraguai é um fato isolado ou representa uma tendência?

A América Latina tem, infelizmente, uma longa história de golpes de Estado. Era comum, durante a Guerra Fria, a destituição de presidentes legitimamente eleitos sob o argumento da “ameaça comunista”. Com o fim da URSS, os EUA passaram a não ter tantos motivos para impedir que governos de esquerda chegassem ao poder. Tornou-se possível, dessa maneira, que a “maioria social” se convertesse em “maioria política”. No entanto, Honduras e Paraguai indicam que mesmo na ausência do suposto perigo comunista, golpes ainda são uma possibilidade. Mesmo assim, a ocorrência ou não de golpes não é um dado; eles serão realizados dependendo da atuação das forças sociais e políticas em cada caso concreto.

(2) Comentários

  1. A HISTÓRIA DIRÁ: A manipulação das forças políticas por uma parte (camada) da sociedade (com algumas classes envolvidas políticos, militares, empresários) ainda impera. Onde houver interesses econômicos envolvidos há clima para golpes, tradicionais aqui na América Latina, como citado. O Paraguai, com sua cultura agrícola, experimenta a nova fase de crescimento industrial, de forma gradual. A recente decisão de não mais ceder energia ao Brasil faz parte desse esquema de interesses, em que todos (o novo “politiburo”) na cúpula saem ganhando, direta ou indiretamente. O século XXI mal começa agora, mas já se vislumbra a união dos países, cada vez uns mais necessitados dos outros, em que a Comunidade Econômica Europeia é o grande exemplo. Não há mais espaço para golpes de estado: o tempo irá mostrar, como sempre faz, que os erros que se repetem ao longo da História terão um preço, mesmo a longo prazo.

  2. Hoje temos a “ditadura dos mercados”,o consumismo puro e exarcebado9 como meio de crescimento e bem estar social!

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